Amigos, a nossa própria procura de
compreensão da vida, do significado da vida, a nossa luta para
compreender toda a substância da vida ou para descobrir o que é a
verdade, destrói a nossa compreensão. Nesta palestra vou tentar explicar
que, onde há uma busca para compreender a vida, ou para descobrir o
significado da vida, essa mesma procura perverte o nosso julgamento.
Se sofremos, queremos uma explicação
desse sofrimento; sentimos que se não procurarmos, se não tentarmos
descobrir o significado da existência, então não estaremos a progredir
ou a ganhar sabedoria. Portanto estamos constantemente a fazer um
esforço para compreender, e nessa busca de compreensão, consciente ou
inconscientemente, estabelecemos uma meta na direção em que somos
conduzidos. Estabelecemos uma meta, o ideal de uma vida perfeita, e
tentamos ser fiéis a essa meta, a essa finalidade.
Conforme disse, consciente ou
inconscientemente, estabelecemos uma meta, um objetivo, um princípio ou
crença, e tendo-o estabelecido tentamos ser-lhe fiéis; tentamos ser
fiéis a uma experiência que compreendemos apenas parcialmente. Por esse
processo estabelecemos uma dualidade. Porque não compreendemos o
imediato com os seus problemas, as suas convenções, porque não
compreendemos o presente, estabelecemos uma ideia, uma meta, uma
finalidade, em direção à qual tentamos avançar. Porque não estamos
preparados para estar alerta ao enfrentar o sofrimento integralmente,
tal qual ele vem, porque não temos a capacidade de enfrentar a
experiência, tentamos estabelecer uma meta e ser consistentes. Assim
desenvolvemos uma dualidade de ação, no pensamento, e no sentimento, e
desta dualidade surge um problema. Nesse desenvolvimento da dualidade
jaz a causa do problema.
Todos os ideais têm que ser sempre do
futuro. Uma mente que está dividida, uma mente que se esforça por
atingir o futuro, não pode compreender o presente, e assim desenvolve
uma dualidade na ação. Ora, tendo criado um problema, tendo criado um
conflito, porque não podemos enfrentar o presente integralmente,
tentamos encontrar uma solução para o problema. É isso que fazemos
constantemente, não é? Todos nós temos problemas. A maioria de vocês
está aqui porque pensa que eu os vou ajudar a resolver os vossos muitos
problemas, e ficarão desapontados quando eu disser que não os posso
resolver. O que vou fazer é tentar mostrar-lhes a causa do problema, e
depois vocês, pela compreensão, podem resolver o problema por vocês
próprios. O problema existe enquanto a mente e o coração estiverem
divididos na ação. Isto é, quando estabelecemos uma ideia no futuro e
tentamos ser consistentes com ela, somos incapazes de enfrentar o
presente plenamente; portanto, tendo criado um problema, tentamos
procurar uma solução, que não é senão uma fuga.
Imaginamos que encontramos soluções para
diversos problemas, mas ao encontrar soluções realmente não os
resolvemos, não compreendemos a causa do problema. No momento em que
resolvemos um problema, surge outro, e portanto continuamos até ao fim
das nossas vidas a procurar soluções para uma série interminável de
problemas. Nesta palestra quero explicar a causa do problema e a maneira
de a dissolver.
Conforme disse, um problema existe
enquanto houver reação – seja uma reação aos padrões externos, ou uma
reação a um padrão interno, como quando dizem, “Tenho que ser fiel a
esta ideia”, ou “Tenho que ser fiel a esta crença”. A maior parte das
pessoas instruídas e sérias descartaram os padrões externos, mas
desenvolveram padrões internos. Descartamos um padrão externo porque
criamos um padrão interno ao qual tentamos ser fiéis. Um padrão que está
continuamente a guiar-nos e a moldar-nos, um padrão que cria dualidade
na nossa ação. Enquanto houver padrões aos quais tentamos ser fiéis,
haverá problemas, e daí a procura contínua de solução para estes
problemas.
Estes padrões interiores existem enquanto
não enfrentarem as experiências e os incidentes da vida integralmente.
Enquanto houver um princípio condutor nas nossas vidas ao qual tentamos
ser fiéis, tem que existir dualidade na ação, e por isso um problema.
Essa dualidade existirá enquanto houver conflito, e o conflito existe
onde quer que haja limitação da autoconsciência, do “eu”. Embora
tenhamos descartado os padrões externos e tenhamos encontrado para nós
um princípio interno, uma lei interna, ao qual tentamos ser fiéis, ainda
há distinção na ação, e por isso uma incompletude na compreensão. É
somente quando compreendemos, quando já não procuramos a compreensão,
que há uma existência sem esforço.
Portanto quando eu digo que não procurem
uma solução, que não procurem um fim, não quero dizer que tenham que se
voltar para o oposto e se tornem estagnados. A minha opinião é: Porque é
que procuram uma solução? Por que é que são incapazes de enfrentar a
vida abertamente, nuamente, simplesmente, plenamente? Porque estão
sempre a tentar ser consistentes. Por isso há o exercício da vontade
para conquistar o obstáculo imediato; há conflito, e não tentam
descobrir a causa do conflito. Para mim esta busca contínua da verdade,
da compreensão, da solução de diversos problemas, não é progresso; esta
ida de um problema a outro não é evolução. Só quando a mente e o coração
enfrentam cada ideia, cada incidente, cada experiência, cada expressão
de vida, plenamente – somente então pode haver um devir contínuo que não
é estagnação. Mas a procura de uma solução, a que erradamente chamamos
progresso, é simplesmente estagnação.
Pergunta: Quer
dizer que mais cedo ou mais tarde todos os seres humanos,
inevitavelmente, no decurso da existência, alcançarão a perfeição, a
libertação completa de tudo o que os domina? Se assim é, porquê fazer
qualquer esforço agora?
Krishnamurti:
Sabem, eu não estou a falar da multidão. Para mim não existe esta
divisão do indivíduo e da multidão. Estou a falar-lhes como indivíduos.
Afinal, a multidão são vocês multiplicados. Se compreenderem, darão
compreensão. A compreensão é como a luz que dissipa a escuridão. Mas se
não compreenderem, se aplicarem o que estou a dizer apenas ao outro, ao
homem exterior a vocês, então estarão apenas a aumentar a escuridão.
Portanto querem saber se vocês – não este
homem imaginário da multidão – se vocês inevitavelmente alcançarão a
perfeição. Se assim for, pensam vocês, porquê fazer qualquer esforço no
presente? Concordo plenamente. Se pensam que inevitavelmente alcançarão o
êxtase de viver, porquê incomodarem-se? Mas, porque estão aprisionados
no conflito, estão a fazer um esforço.
Porei as coisas de outro modo: é como
dizer a um homem faminto que ele inevitavelmente encontrará alguns meios
para satisfazer a sua fome. Como é que isso o ajuda hoje se lhe dizem
que ele será alimentado daqui a dez dias? Por essa altura poderá estar
morto. Portanto a questão não é, “Existe perfeição inevitavelmente para
mim como indivíduo?” Mas, é antes, “Porque é que faço este esforço
interminável?”
Para mim, um homem que procura a virtude
deixa de ser virtuoso. Contudo isso é o que fazemos durante todo o
tempo. Estamos a tentar ser perfeitos; estamos comprometidos com o
esforço incessante de ser algo. Mas se fizermos um esforço porque
estamos realmente a sofrer e porque nos queremos libertar desse
sofrimento, então a nossa principal preocupação não é a perfeição – não
sabemos o que é a perfeição. Só a podemos imaginar ou ler sobre ela nos
livros. Por isso, tem que ser ilusória. A nossa principal preocupação
não é com a perfeição, mas com a questão, “O que é que cria este
conflito que exige esforço?”
Comentário da audiência: O homem espiritual não é sempre perfeito?
Krishnamurti: Um
homem espiritual pode sê-lo, mas nós não somos. Isto é, temos um sentido
de dualidade: pensamos num homem superior que é perfeito e num homem
inferior que o não é, e pensamos que o homem superior está a tentar
dominar o inferior. Por favor tentem acompanhar isto durante um momento,
quer concordem ou discordem.
Só podem conhecer o conflito presente;
não podem conhecer a perfeição enquanto estiverem em conflito. Portanto
não precisam de se preocupar com o que é a perfeição, com a questão de
se o homem é ou não perfeito, se o espírito é ou não perfeito, se a alma
é ou não perfeita: vocês não se preocupam com isso. Mas certamente se
preocupam com o que causa o sofrimento.
Sabem, um homem confinado a uma prisão
está preocupado com a destruição dessa prisão para ser livre; ele não
está preocupado com a liberdade como uma ideia abstrata. Ora vocês não
estão preocupados com o que causa o sofrimento, mas estão preocupados
com a maneira de fugir desse sofrimento para a perfeição. Portanto
querem saber se vocês como indivíduos alguma vez alcançarão a perfeição.
Eu digo que essa não é a questão. A
questão é, estão conscientes no presente, estão plenamente cientes no
presente, das limitações que criam o sofrimento? Se conhecerem a causa
do sofrimento, a partir daí saberão o que é a perfeição. Mas não podem
conhecer a perfeição antes de estarem livres do sofrimento. Essa é a
causa da limitação. Portanto não perguntem se alguma vez alcançarão a
perfeição, se a alma é perfeita, ou se o deus em vocês é perfeito, mas
tornem-se plenamente conscientes das limitações da vossa mente e do
vosso coração na ação. E só podem descobrir estas limitações quando
agem, quando não estão a tentar imitar uma ideia ou um princípio
condutor.
Sabem, as nossas mentes estão obstruídas
com padrões nacionais e internacionais, com padrões que recebemos dos
nossos pais e padrões que nós mesmos desenvolvemos. Guiados por esses
padrões enfrentamos a vida. Somos por isso incapazes de compreender. Só
podemos compreender quando as nossas mentes são realmente frescas,
simples, ansiosas – não quando estão sobrecarregadas com ideias. Ora
cada um de nós tem muitas limitações, limitações das quais somos
completamente inconscientes. A própria questão, “Existe a perfeição?”
Implica a consciência da limitação. Mas não podem descobrir estas
limitações analisando o passado. A tentativa de autoanálise é
destrutiva, mas é isso que estão a tentar fazer. Dizem, “Eu sei que
tenho muitas limitações, portanto examinarei, procurarei e descobrirei
quais são as minhas barreiras e limitações, e então serei livre.” Quando
fazem isso estão apenas a criar um novo conjunto de barreiras, de
obstáculos. Para descobrir realmente os padrões falsos e as barreiras do
passado têm que agir com consciência total no presente, e nessa
atividade tornam-se conscientes de todos os obstáculos não descobertos.
Experimentem e verão. Comecem a mover-se com total consciência, com a
consciência plenamente desperta na ação, e verão que têm inúmeras
barreiras, crenças, limitações, que os impedem de agir livremente.
Por isso eu digo, a autoanálise, a
análise para descobrir a causa no passado, é falsa. Nunca podem
descobrir a partir do que está morto, mas sim apenas do que está vivo; e
o que está vivo está sempre no presente e não no passado. O que devem
fazer é enfrentar o presente com plena consciência.
Pergunta: Quem é o salvador das almas?
Krishnamurti: Se
pensarmos nisso por um momento, vemos que essa frase, “o salvador das
almas”, não tem sentido. A que se referem quando dizem uma alma? A uma
entidade individual? Por favor corrijam-me se estiver errado. A que é
que nos referimos quando falamos de uma alma? Referimo-nos a uma
consciência limitada. Para mim só há essa vida eterna – em contraste com
essa consciência limitada a que chamamos o “eu”. Quando esse “eu”
existe, há dualidade – a alma e o salvador das almas, o inferior e o
superior. Só podem compreender essa unidade completa da vida com a
cessação da autoconsciência ou do “eu” que cria a dualidade. Para mim a
imortalidade, esse devir eterno, nada tem em comum com a
individualidade. Se o homem se puder libertar das suas muitas
limitações, então essa liberdade é a vida eterna; então a mente e o
coração conhecem a eternidade. Mas o homem não pode descobrir a
eternidade enquanto houver limitação.
Portanto a pergunta, “Quem é o salvador
das almas?” Cessa de ter qualquer significado. Ela surge porque estamos a
olhar para a vida a partir do ponto de vista da consciência
autolimitada a que chamamos o “eu”. Por isso dizemos, “Quem me salvará?
Quem salvará a minha alma?” Ninguém os pode salvar. Agarraram-se a essa
crença durante séculos, e contudo estão a sofrer; ainda existe caos
absoluto no mundo. Vocês próprios têm de compreender; nada lhes pode dar
sabedoria exceto a vossa própria ação no presente, que deve criar
harmonia a partir do conflito. Somente daí é que surge a sabedoria.
Pergunta: Alguns
dizem que o seu ensinamento é somente para os eruditos e para os
intelectuais e não para as massas que estão condenadas a uma luta
constante e ao sofrimento na vida diária. Concorda?
Krishnamurti: O que
diz? Porque deveria eu concordar ou discordar? Tenho algo a dizer, e
digo-o. Receio que não sejam os eruditos os que compreenderão. Talvez
esta pequena história clarifique o que quero dizer: Uma vez um mercador,
que tinha algum tempo livre, foi a um sábio indiano e disse, “Tenho uma
hora disponível; por favor diga-me o que é a verdade.” O sábio
respondeu, “Leu e estudou muitos livros. A primeira coisa que deve fazer
é suprimir tudo isso que aprendeu.”
O que estou a dizer não se aplica só à
classe desocupada, às pessoas que se supõe serem inteligentes,
bem-educadas – e estou a usar a palavra “supõe” propositadamente – mas
também às chamadas massas. Quem mantém as massas na labuta diária? Os
inteligentes, esses que são supostamente instruídos; não é assim? Mas se
eles fossem realmente inteligentes encontrariam uma maneira de libertar
as massas da labuta diária. O que estou a dizer não só se aplica aos
instruídos, mas a todos os seres humanos.
Têm tempo livre para me ouvir. Agora
podem dizer, “Bem, compreendi um pouco, e por isso vou usar essa pequena
compreensão para mudar o mundo.” Mas nunca mudarão ou alterarão o mundo
dessa maneira. Podem escutar durante um espaço de tempo e podem pensar
que compreenderam algo, e dizer para vocês próprios, “Vou usar este
conhecimento para reformar o mundo.” Uma reforma assim seria apenas uma
obra feita de remendos. Mas se realmente compreendessem o que estou a
dizer, criariam perturbação no mundo – aquela inquietação emocional e
mental pela qual acontece o melhoramento das condições. Isto é, se
compreenderem tentarão criar um estado de descontentamento a vossa
volta, e isso só o podem fazer se se mudarem a vocês próprios; não o
podem fazer se pensarem que o que eu digo se aplica somente aos eruditos
mais que a vocês. O homem na rua são vocês. Portanto a questão é:
Compreendem o que estou a dizer?
Se foram intensamente apanhados num
conflito, querem descobrir a causa desse conflito. Ora se estiverem
plenamente conscientes desse conflito, verificarão que a vossa mente
está a tentar fugir, a tentar evitar enfrentar completamente esse
conflito. Não é uma questão de me compreenderem ou não, mas se vocês,
como indivíduos, estão completamente conscientes, vivos para enfrentar a
vida completamente. O que é que os impede de enfrentar a vida
integralmente? Essa é a questão. O que os impede de enfrentar a vida
integralmente é a ação contínua da memória, de um padrão do qual surge o
medo.
Pergunta: Segundo o
senhor, parece não haver ligação entre intelecto e inteligência. Mas
fala de inteligência desperta tal como nós podemos falar de intelecto
treinado. O que é a inteligência, e como pode ser despertada?
Krishnamurti:
Treinar o intelecto não resulta em inteligência. A inteligência nasce,
antes, quando se age em perfeita harmonia, tanto intelectualmente como
emocionalmente. Há uma vasta distinção entre intelecto e inteligência. O
intelecto é apenas pensamento que funciona independentemente da emoção.
Quanto o intelecto, independentemente da emoção, é treinado numa
qualquer direção em particular, pode-se ter um grande intelecto, mas não
se tem inteligência, porque na inteligência existe a capacidade
inerente de sentir, bem como de raciocinar; na inteligência ambas as
capacidades estão igualmente presentes, intensamente e harmoniosamente.
Ora a educação moderna está a desenvolver
o intelecto, oferecendo cada vez mais explicações da vida, cada vez
mais teorias, sem a qualidade harmoniosa do afeto. Por isso
desenvolvemos mentes engenhosas para fugir ao conflito; por isso estamos
satisfeitos com as explicações que os cientistas e os filósofos nos
dão. A mente – o intelecto – está satisfeita com estas inumeráveis
explicações, mas a inteligência não está, porque para compreender tem
que haver completa unidade da mente e do coração na ação. Isto é, agora
têm uma mente de negócios, uma mente religiosa, uma mente sentimental.
As vossas paixões nada têm a ver com negócios; o vosso intelecto para
ganhar a vida diária nada tem a ver com as vossas emoções. E vocês dizem
que esta situação não pode ser alterada. Se trouxerem as vossas emoções
para o negócio, dizem que o negócio não pode ser bem gerido ou ser
honesto. Portanto dividem a vossa mente em compartimentos: num
compartimento guardam o vosso interesse religioso, noutro as emoções,
num terceiro os vossos interesse de negócio que nada têm a ver com a
vossa vida intelectual e emocional. A vossa mente de negócios trata a
vida apenas como um meio de arranjar dinheiro para viver. Daí esta
existência caótica, esta divisão da vossa vida continua.
Se realmente usassem a vossa inteligência
nos negócios, isto é, se as vossas emoções e o vosso pensamento agissem
harmoniosamente, o vosso negócio poderia falir. Provavelmente faliria. E
provavelmente vocês deixá-lo-ão falir quando realmente sentirem o
absurdo, a crueldade e a exploração em que estão envolvidos nesta forma
de viver. Até que realmente abordem a totalidade da vida com a vossa
inteligência, em vez de o fazerem apenas com o vosso intelecto, nenhum
sistema no mundo salvará o homem da labuta incessante pelo pão.
Pergunta: Fala
muitas vezes da necessidade de compreendermos as nossas experiências.
Poderia por favor explicar o que quer dizer com compreender uma
experiência da maneira correta?
Krishnamurti: Para
compreender plenamente uma experiência têm que chegar a ela cheios de
vigor cada vez que ela vos confronta. Para compreender a experiência têm
que ter uma clareza de mente e coração aberta e simples. Mas nós não
abordamos as experiências da vida com essa atitude. A memória impede-nos
de abordar a experiência abertamente, nuamente. Não é assim? A memória
impede-nos de enfrentar a experiência integralmente, e por isso nos
impede de compreender a experiência completamente. Ora o que é que
origina a memória? Para mim, a memória é apenas o sinal de compreensão
incompleta. Quando enfrentam integralmente uma experiência, quando vivem
plenamente, essa experiência ou incidente não deixa uma cicatriz da
memória. A memória só existe quando vivem parcialmente, quando não
enfrentam a experiência integralmente; só há memória na incompletude.
Não é assim? Tomemos, por exemplo, o facto de serem coerentes com um
princípio. Porque é que são coerentes? São coerentes porque não podem
enfrentar a vida abertamente, livremente; por isso dizem, “Tenho que ter
um princípio que me oriente.” Daí a luta constante para serem
coerentes, e com essa memória como pano de fundo enfrentam cada
incidente da vida. Há assim incompletude na vossa compreensão porque
abordam a experiência com uma mente que já está sobrecarregada. Somente
quando enfrentarem todas as coisas, todas as coisas sejam elas quais
forem, com uma mente aliviada, somente então terão verdadeira
compreensão.
“Mas”, dizem vocês, “que devo fazer com
todas as memórias que tenho?” Não podem descartá-las. Mas o que podem
fazer é enfrentar a vossa próxima experiência integralmente; verão então
essas memórias passadas entrar em ação, e então é o momento de as
enfrentar e de as dissipar.
Portanto o que confere compreensão
correta não é o resíduo de muitas experiências. Não podem enfrentar
integralmente novas experiências quando o resto das experiências
passadas está a sobrecarregar a vossa mente. Contudo é assim que
constantemente as enfrentam. Isto é, a vossa mente aprendeu a ser
cuidadosa, a ser engenhosa, a agir como um sinal, a dar um aviso; por
isso, não podem enfrentar plenamente qualquer incidente. Para libertar a
vossa da memória, para a libertar do fardo da experiência, têm que
enfrentar a vida plenamente; nessa ação as vossas memórias passadas
entram em atividade, e na chama da consciência são dissolvidas.
Tentem-no e verão.
Ao ir embora daqui encontrarão amigos;
verão o pôr do sol, as sombras alongadas. Estejam plenamente conscientes
nestas experiências, e descobrirão que toda a espécie de memórias se
agitará a vossa frente; na vossa perspicaz consciência compreenderão a
falsidade e a força destas memórias, e serão capazes de as dissolver;
enfrentarão então com plena consciência cada experiência da vida.
06/09/1933.
Jiddu Krishnamurt
Meus amigos(as) desejo a todos uma ótima Tarde.
Muita Paz para todos.
Força Sempre
Claudio Pacheco
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